Professor Pier, saudosa lembrança.

O Professor Pierluigi Piazzi nasceu em Bologna em 29 de janeiro de 1943, durante a II Guerra Mundial, no meio das bombas britânicas e americanas e com a SS procurando por seu pai. Aos 12 anos, veio com a família para a cidade de São Paulo. Em São Paulo completou seus estudos, formando-se em Química Industrial e Física pela USP. Professor Pier, como era carinhosamente chamado, foi também editor de uma revista de micro-informática, editor de ficção científica na Editora Aleph, radialista (trabalhou na rádio Jovem Pan AM de SP), âncora do programa de Debate Acadêmico da TV Educativa de Santos, professor no curso de pós-graduação de Terapia Familiar da PUC (SP), professor de ciências no Infantil do colégio Rousseau e muitas outras atividades, entre elas os tão famosos livros de MSX editados pela Editora Aleph.

1 - Professor Piazzi, agradeço muito esta oportunidade de poder conversar. Os seus livros ajudaram e ainda ajudam muitos brasileiros e usuários da linha de computadores MSX. A qualidade dos livros sempre foi fantástica, com informação direta e didática. Acredito que todos nós usuários do MSX somos gratos por ter tido uma documentação de excelente qualidade, voltada especificamente para o público brasileiro. Deixo aqui meu sincero agradecimento, pelo seu trabalho realizado e também por me conceder esta entrevista. R - Na realidade para mim é muito gratificante receber, tantos anos depois, o reconhecimento por um esforço feito no sentido de justamente fazer jovens descobrir o prazer de pensar. O MSX (assim como o Sinclair alguns anos antes) foram as ferramentas que escolhi para isso. 2 - Quando se deu o seu primeiro contato com a área de informática? R - Em 1961, na Galeria Califórnia no centro de São Paulo (perto da Biblioteca Municipal que eu frequentava assiduamente) o consulado Norte- Americano montou um computador analógico com um monte de painéis sendo que cada um deles tinha uma ou duas entradas e uma saída. Um deles, por exemplo, ao receber um sinal analógico (na forma de uma voltagem variável) na entrada, produzia a integral ou a derivada do sinal na saída. Outro, ao receber dois sinais produzia, na saída, sua soma ou seu produto etc. Você, por meio de cabos parecidos com os das antigas mesas telefônicas, conectava os módulos duros (hardware) de maneira a criar uma rota específica para o sinal gerado na entrada. Os cabos moles que determinavam o resultado a ser obtido naquele caso em particular eram chamados de software. Fiquei fascinado pois o único contato que, até então, havia tido com algum dispositivo computacional havia sido a régua de cálculo. Isso me motivou, em 1967, a fazer um curso com computador digital Mainframe IBM) na Faculdade de Higiene e Saúde Pública da USP onde consegui, após inúmeras tentativas, perfurar uma coleção de cartões que gerava, pasmem, a resolução de uma equação do 2º grau!

3 - Como teve seu contato com o MSX? R - Após uma traumatizante relação com sócios húngaros na revista MicroHobby, resolvi montar minha própria Editora (ALEPH) na qual publicava livros para o Sinclair. Um belo dia, um vizinho e amigo (Stephen Kanitz - colunista da Veja) me convidou para assistir, na Gradiente, à demonstração de um protótipo do computador pessoal que a Gradiente lançaria. Foi lá que conheci o Moris Arditti, meu amigo até hoje, pai da idéia de trazer o MSX para o Brasil. 4 - Qual significado teve o MSX em sua vida profissional? R - Para mim a informática sempre foi um hobby já que minha primordial atividade sempre foi o magistério. O MSX permitiu que eu me dedicasse um pouco mais a meu hobby.

5 - Qual era o sentimento de escrever livros para o MSX, em uma época em que havia a reserva de mercado, e também, poucas informações a respeito? R - Sempre batalhei contra a SEI (Secretaria Especial de Informática) pois considerava sua política não uma forma de incentivar o fabricante nacional mas sim de incentivar a pirataria (foi até um dos motivos de meus conflitos com os sócios húngaros). Como já disse, o MSX era um pretexto para obter um fim maior, incentivo da inteligência.

6 - A Editora Aleph iniciou suas atividades com o MSX? R- Não, na realçidade já havia publicado uma série de livros para os Sinclair. Como se deu o contato da Gradiente com a Editora Aleph para a criação de livros específicos voltados para o MSX? R- Há uma história muito engraçada que envolve um relógio Seiko muito teimoso, um engenheiro chamado Mandarino e o dia da Lua e que um dia contarei. O que interessa é que a Gradiente descobriu que os primeiros micros sairiam da fábrica daí a 3 meses e os 2 manuais ficariam prontos daí a 6 meses! Por isso resolveram terceirizar os manuais e a Aleph foi escolhida.

7 - Houve contato com os irmãos Burd na Gradiente? R- Inicialmente não.

8 - Era com eles que estes contatos eram feitos no caso específico do MSX? R- Não, era com o engenheiro Mandarino, um outro cujo nome me foge e com o próprio Arditti.

9 - A Gradiente na época, o ajudava na confecção dos livros de alguma forma ou todo o trabalho era feito na Editora Aleph?

R- Dava todo suporte possível mas, depois de um certo tempo, nós da Editora é que começamos a dar suporte a eles! Veja bem, eles estavam muito mais preocupados com o processo industrial para fabricar o brinquedo e nós mais preocupados em aprender a brincar.

10 - O primeiro livro de MSX escrito, foi o livro da Linguagem BASIC? R- Na verdade, dado os prazos apertadíssimos os dois manuais foram escritos simultaneamente a N mãos. Eu sempre brinco que é como se tivéssemos contratados 6 mulheres grávidas para produzir 2 filhos em 3 meses.

11 - Como foi a experiência de fazer o livro de BASIC para o MSX? R- Não muito traumatizante pois já estávamos familiarizados com o BASIC do Sinclair e com o Z80. É claro que algumas novidades nos intrigaram. Até hoje não tomo soda limonada de tanto que fiquei irritado com o Sprite!

12 - Havia alguma documentação para poder se basear no desenvolvimento do livro? R- Tudo em Japonês! Ah... esqueci! Havia algo em Holandês (como se isso ajudasse alguma coisa!)

13 - O que o atraiu para vir a criar literatura de MSX? R- Ora, depois de gastar horas e horas adquirindo Know How sobre essa máquina, quisemos continuar brincando!

14 - As ilustrações e arte presentes nos livros da Editora Aleph eram muito boas. Quem as fazia? R- O Nicoletti, um ilustrador fantástico com quem tenho contacto até hoje.

15 - Como surgiu a idéia de ilustrar os livros? R- Mania de professor de ser o mais didático possível.

16 - Quanto tempo em média levava para escrever um livro como o Linguagem BASIC para MSX? R- Variava muito, mas alguns demoraram muito pouco pois foram coleções de programas já elaborados por muitos autores.

17 - Quais foram as dificuldades para escrever o livro "Aprofundando-se no MSX"?
R- Quase não existiram dificuldades. O conjunto de autores já estava bem familiarizado com as "manhas" da máquina. Minha contribuição (além de escrever um capítulo e rever vários) foi a de impor a todos um estilo didático.

18 - Quais eram as metas a ser atingidas com este livro? R- Ensinar. Só isso.

19 - Como foi escrever o livro "Curso de Música para MSX" ? Quais foram os desafios? R- Esquisitíssimo pois eu nunca consegui passar do "Parabéns a você" na flauta!

20 - Quantos volumes para este assunto foram planejados? R- Dois. O primeiro dedicado ao PLAY e o segundo ao SOUND. Achei os manuscritos do segundo outro dia fazendo faxina!

21 - Os livros "Coleção de Programas Volumes 1 e 2", contém uma série de programas em linguagem BASIC para MSX. Como surgiam as idéias dos programas ? Ficava a cargo de cada co-autor ou os assuntos pertinentes de cada livro eram discutidos antes e cada co-autor elaborava o programa? R- Muitos já estavam prontos desde a época Sinclair, bastando adaptá-los e aperfeiçoá-los usando os recursos melhores do MSX. Outros surgiram nas reuniões que fazíamos.

22 - Como era sua participação em livros que não era diretamente o autor, citando "Linguagem de Máquina para MSX", "Circuitos Integrados para MSX"? R- Revisor, inspirador e chato que cobrava prazos.

23 - Até mesmo citando a linguagem de máquina, chegou a programar em Assembly no MSX? R- Muito pouco. Achava uma linguagem muito técnica e pouco didática. É duro manter uma conversa com alguém em hexadecimal!

24 - Houve algum livro que a Editora Aleph tinha pronto e não chegou a publicar? R- Curso de Música Vol.2 é um deles.

25 - Houve algum assunto específico sobre o MSX que a Editora Aleph quis abordar mas não chegou a ser feito? R- Sim, o uso do computador na escola. Me arrependo de não ter levado adiante pois agora um monte de pedagogas deficientes mentais estão imbecilizando um monte de criancinhas em nome de uma inovação tecnológica absolutamente idiota. O computador da era MSX fazia o usuário pensar e se tornar cada vez mais inteligente. Hoje, o PC imbeciliza até mais do que a TV. Toda vez que vejo a propaganda do computador Positivo ou da Intel, começo a ranger os dentes!

26 - Por qual razão, com a chegada do MSX2 no Brasil a Editora Aleph não lançou livros para este modelo? R- Cetra vez escrevi um artigo na revista Microsistemas dizendo que o dia em que um PC custasse menos do que um certo valor (que não lembro qual, mas suponho uns 400 dólares), os Z80 morreriam e foi o que aconteceu.

27 - A Editora Aleph tinha intenções de lançar documentação específica para o MSX2? R- Tentamos fazendo contacto com a Talent argentina mas o clima já era de fim de festa.

28 - Documentação para MSX2+ e MSX Turbo R nunca foram cogitadas na Editora Aleph? R- Depois que a festa acabou, tive que pensar na sobrevivência da Editora, partindo para edição de manuais de instrução para qualquer coisa.

29 - Professor, o que você pensava a respeito das especificações do primeiro modelo de MSX, o MSX1 para a época em que foi lançado no Brasil? R- Fiquei boqueaberto! Acostumado a considerar uma expansão de 16K como o máximo, ver aquele festival de kbytes e processadores em paralelo quase me causo uma indigestão mental.

30 - De sua parte, tinha alguma preferência entre o modelo da Gradiente e da Sharp? Se sim, quais? R- Preferia o da Gradiente apenas porque foi o primeiro que comecei a usar.

31 - Na época (1985), já tinha conhecimento que no exterior já havia sido lançado o MSX2? R- Sim.

32 - Sabia de algum interesse por parte da Gradiente ou da Sharp de trazer o MSX2 para o Brasil? R- Não. nessa altura quem cuidava do MSX na Gradiente era o Oscar Burd e ele era um pouco parcimonioso no fornecimento de informações.

33 - Por volta de 1988 a Gradiente e a Sharp relançaram o MSX1 aqui no Brasil, sendo que a Gradiente lançou um dos modelos com o disk-drive. O que achou destes lançamentos? R- Na realidade a novidade foi o disk drive que transformou o MSX de brinquedo para utensílio.

34 - Não estava muito tarde para relançar um MSX1? R- Creio que eles acharam que o investimento para migrar para o 2 talvez não valesse a pena.

35 - Houve contato por parte da Gradiente com a Editora Aleph, nesta época, para a criação de novos livros para o modelo DD-Plus? R- Sim, fizemos esses livros, adaptando os já existentes.

36 - E a Sharp/Epcom, entraram em contato para a criação de novos livros? R- Sim. Numa pesquisa evidenciou-se que a proporção de venda Gradiente x Sharp era de 4 para 1. Os dois principais motivos detectados foram o design e os manuais da Aleph. A Sharp imediatamente correu atrás do prejuízo nos contratando para uma série de livros e manuais. Diga-se de passagem com autorização da Gradiente!

37 - Os outros modelos de MSX (MSX2, MSX2+, MSX Turbo R) particularmente, eram máquinas atrativas? R- Sinceramente não sei porque só mexi um pouquinho com o MSX2.

38 - Especificamente sobre o MSX Turbo R, chegou a ter contato com este computador? R- Infelizmente não.

39 - Qual a sua opinião a respeito da Gradiente ter deixado de fabricar o MSX Expert para vir a fabricar o Phantom System (videogame clone do NES)? R- A Gradiente tem uma característica muito inteligente (por favor não julguem a Gradiente pelas podadas que vocês levaram do Oscar Burd). Tenta estar sempre um passo à frente. Percebeu a tempo que um produto que exigisse inteligência por parte do comprador não teria futuro. Há uma frase do Barnum, dono do maior Circo dos EEUU que explica a morte do MSX e o nascimento das consoles " Ninguém jamais deixou de ganhar muito dinheiro apostando na estupidez humana"!

40 - E sobre a Sharp/Epcom, qual a sua opinião a respeito? R- Era uma empresa privada com espírito de repartição pública.

41 - O que você pensa a respeito do papel do MSX aqui no Brasil? R- Foi o que foi (e ainda é) o Paulistinha para a aviação. Foi o micro que semeou toda uma geração de programadores e analistas e que, graças às suas características, germinou muito bem. Tenho medo para a próxima!

42 - Não poderia ter durado comercialmente mais do que durou? R- Acho que, em pequena escala e usando tecnologia mais moderna (e infinitamente mais barata) poderia ser fabricado até hoje.

43 - Acha que o MSX poderia ter competido com os PCs caso não tivesse sido posto de lado pelos fabricantes? R- Se ele tivesse sido adaptado com terminal de Internet, por exemplo, poderia ter sobrevivido.

44 - Você considera o MSX uma máquina didática, mesmo ainda hoje em dia? R- Sim, até hoje aconselho escolas a instalarem um emulador MSX e ensinar BASIC. Quem programa em BASIC... aprende a PENSAR.

45 - Em que momento a Editora Aleph, deixou de criar documentação para o MSX?

R- No fim da festa, ou seja quando ia se decidir sobre a entrada ou não do MSX2 no Brasil.

46 - Quando o MSX foi deixado de lado comercialmente no Brasil, que rumos a Editora Aleph seguiu? R- Usamos todo nosso know how pedagógico para editar manuais de instruções (desde freios até máquinas de lavar roupa).

47 - Atualmente, o MSX tem qual significado em sua vida, pelo o que representou e representa? R- Foi uma das coisas que já fiz que mais me fez sentir útil!

48 - Professor, qual foi o seu sentimento quando redescobriu o MSX através da Internet, após ter sumido comercialmente? R- Espanto! Foi como desembracar numa ilha do Pacífico e dar de cara com um Dodo!

49 - Como foi o sentimento de ver que os usuários de MSX ainda o mantinham? R- Sem querer parecer sentimentalóide... fiquei comovido.

50 - Um amigo da comunidade MSX, Alexandre Antoniutti, passou para o formato digital muitos livros de MSX, entre eles vários da Editora Aleph. Atualmente estes livros estão na Internet, em alguns sites, inclusive aqui no MSX História com o intuito de ajudar a comunidade. Professor, o que pensa a respeito deste trabalho? R- Fantástico. Tomara todos tivessem essa boa vontade.

51 - Nosso amigo na comunidade MSX, Ricardo J. Pinheiro, foi o fundador da maior lista de discussão sobre MSX aqui no Brasil, a MSXBR-L. Como foi ver o MSX de volta através da Internet? R- A rigor o MSX não está de volta porque nunca foi embora, para os aficcionados. O bacana foi usar a Internet para conseguir reuni-los.

52 - O que você diria para nosso amigo Ricardo, que teve esta idéia de criar a lista e aproximar os usuários? R- Ricardo, minha longa experiência mostra que um idiota, no meio de idiotas, pensa ser normal. O mais grave é que o não-idiota, no meio de idiotas, é considerado estranho! Por isso, conseguir reunir os não-idiotas da computação de maneira a que possam conversar no mesmo idioma entre si é uma coisa maravilhosa.

53 - Professor, chegou a ir no evento de Jaú ou do Rio realizado anualmente pelos usuários de MSX? R- Fui uma vez em Brasília e outra em Jaú.

54 - Como foi a experiência de ter ido a estes eventos? R- Estranhíssima! Fui tratado como uma lenda viva! Mas, é claro, foi gratificante!

55 - Professor, ainda mantém contato com o pessoal da Editora Aleph, como Milton Maldonado Jr., Renato da Silva Oliveira, Aldo Barduco Jr., Rubens Pereira Silva, Lígia Neves dos Santos e todos os outros? R- Recentemente reencontrei o Fernando Grossi (que conversava em hexadecimal com o Milton Maldonado) pelo Orkut. O Aldo perdi um pouco o contacto. O Rubens ainda encontro esporadicamente e o Renato da Silva Oliveira (que atualmente fabrica planetários) está em permanente contacto comigo. Poderia dizer que é um de meus melhores amigos.

56 - O que o professor pensa a respeito da área de informática hoje em dia (2006)? R- Uma gigantesca muleta mental para pessoas que não sabem mais pensar.

57 - Professor, quais as diferenças que vê entre a informática atual e a de vinte anos atrás? R- QI!

58 - Ainda tem o seu MSX? Qual modelo? R- Está guardado por falta de espaço. mas ainda mato a saudade com os emuladores para PC.

59 - Professor, finalizando, gostaria novamente de lhe agradecer por ter me concedido esta entrevista e de poder ter conversado bastante a respeito de MSX. Sou muito grato por esta oportunidade. R- Eu que agradeço por me fazer reviver uma fase muito importante de minha vida!

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